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Melhor Idade — Na Visão do Médico
Era novembro de 1963, e mais uma turma de jovens rapazes chegava ao meu consultório na Rua Victor Meirelles, quase em frente ao Cine Santa Rita. O Tenente Casagrande trouxe quase sessenta deles para o exame médico obrigatório do Tiro de Guerra — aqueles jovens que estavam deixando a infância para entrar na vida adulta.
Sentei-me atrás da escrivaninha, observando aqueles garotos meio nervosos, meio curiosos, alguns sorrindo tímidos, outros com aquele olhar perdido, sem saber bem o que os aguardava.
Chamei-os com voz firme, para que ninguém deixasse dúvidas:
— Vão tirando a roupa!
Vi a reação imediata: caras vermelhas, mãos tremendo, sussurros baixos. Eu sabia que eles estavam constrangidos, é natural. Eles ainda são crianças querendo parecer homens.
Enquanto eles se despiram, notei a tensão no ar — o medo do julgamento, a curiosidade desajeitada. Vi alguns tentando se proteger com as mãos, outros espiando o colega ao lado, talvez tentando se convencer de que não estavam tão expostos assim.
Comecei o exame. Medindo pressão, ouvindo os pulmões, avaliando a saúde física e, claro, dando aquela observada geral, sem rodeios — afinal, não há segredos no corpo jovem.
Quando cheguei até um rapaz, olhei sério e perguntei, meio de brincadeira, meio para quebrar o gelo:
— Você usa droga?
Ele respondeu rápido, negando, e eu não pude deixar de fazer um comentário que me veio à cabeça ao vê-lo vestindo uma camisa do Corinthians no dia anterior:
— E aquela camisa do Corinthians que você estava usando ontem?
Sei que ele percebeu a alfinetada — afinal, eu sou são-paulino declarado. A tensão diminuiu e dei a ordem:
— Podem vestir as roupas.
Ainda não satisfeito, brinquei com um deles:
— Cueca é bom lavar pelo menos de vez em quando.
Vi o garoto fazer uma careta e ouvir um resmungo, o que me arrancou uma risada.
Naquele momento, olhei para o tenente e disse:
— Pode dar uma farda para esse caboclo. Eu não queria.
Senti um orgulho silencioso por aqueles jovens. Eles estavam começando uma jornada, e eu sabia que aqueles momentos, por mais simples que parecessem, fariam parte da melhor idade deles.
Hoje, tantos anos depois, quando penso na “idade do condor” que nos alcança, com dores e perdas, lembro com carinho daquela época. Aqueles rapazes — homens hoje, com cabelos grisalhos e histórias para contar — foram forjados ali, na simplicidade do exame, na camaradagem do Tiro de Guerra.
A melhor idade? Sem dúvida. Aquela onde se aprende a ser cidadão, amigo, guerreiro. E mesmo com os achaques do tempo, a alma permanece jovem, pronta para rir, relembrar... e reclamar das dores.
Quer que eu faça alguma outra versão, talvez uma mais formal ou uma carta do médico para os seus antigos “pestinhas”?
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