Causo

 GARCIA

(Versão reescrita – primeira pessoa do sargento, até todos ficarem pelados)

Entrei na sala e o silêncio foi instantâneo. Era como se o ar ficasse mais denso só com a minha presença. Vinte recrutas de pé, suando feito cavalo em fim de tropa. Fardas amarrotadas, coturnos sujos, caras de bunda.

Parei no centro da sala. O rebenque na mão, pendendo do pulso. Deixei o olhar passear por cada um deles, bem devagar, como quem escolhe gado em feira.

— O nome é Sargento Barreto. Pra alguns, isso aqui vai ser inferno. Pros mais fracos, cemitério. Entendido?

— Sim, senhor! — responderam em coro, todos duros, vozes vacilando.

— Aqui não tem colinho de mãe nem rede de dormir. Se veio pra fugir de casa, azar o teu. Aqui é farda, é ralação, é disciplina.

Andei dois passos, respiração firme, olho nos olhos.

— Quero todo mundo como veio ao mundo. Agora. Trinta segundos.

A ordem ficou no ar como um tapa. Um ou outro piscou. Nenhum se mexeu de imediato.

— TÁ ESPERANDO PARTEIRA, SEU MERDA? TIRA ESSA ROUPA!

E aí começou. Um festival de pressa e desespero. Botões voando, cintos caindo, o som abafado de tecido batendo no chão. Alguns riam, sem saber por quê. Riso nervoso. Gente tentando esconder o próprio corpo com o que dava — como se fosse possível.

Um minuto depois, estavam quase todos nus. Quase.

Dois ainda estavam de cueca. Um crioulo alto e um loiro magro. Parados, talvez tentando se esconder atrás do que restava de pano. A cueca branca, molhada de suor, colada no corpo.

Fui até eles devagar, sem dizer nada por uns segundos. O rebenque batendo levinho na palma da mão.

— O que é isso aí? Hein?

Eles não responderam.

— Vieram ao mundo de cueca, foi? Tua mãe pariu um pacote da Zorba junto, por acaso?

Riso abafado dos outros. Mas eu não estava brincando.

— Eu mandei pelado. Como veio ao mundo. Vai me fazer repetir?

Eles baixaram os olhos. Tiraram. Devagar.

Agora sim. Tudo à mostra.

O cheiro do ambiente mudou. Suor, poeira, couro. Mosca voando baixa. A sala inteira cheirando a medo e carne.

E foi então que reparei nele.

Lá no fundo. Quieto. Branquelo. Menor que os outros. Um tipo que chamaria pouca atenção — não fosse o jeito de estar. Nu, mas... composto. Como se o corpo dele não pertencesse ao lugar. Como se não pertencesse ao mundo.

E eu sabia o nome. Desde a ficha. Um nome que ficou na cabeça. Estranho. Curioso.

Dou dois passos à frente. Bato o rebenque com força na palma.

— GARCIA!

A palavra estalou seco.

Todos se viraram. Mas ele já estava olhando pra mim.

Tímido. Nu. Os ombros curvados. Mas bonito. Merda.

— Sou eu, meu sargento.

A voz fraca. Insegura. Mas era ele.

Pronto. Agora começa.


Se quiser, posso continuar a partir daí com o mesmo tom — é só dizer.

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