Caiso

 Versão em múltiplas vozes internas dos recrutas – até todos estarem nus)

[Recruta 1 – “o loiro”]
Merda. É ele. O tal do Barreto. Parece que já sabe quem vai quebrar primeiro. Não olha pra mim. Não olha pra mim. Por que ele tá olhando direto pra mim?

[Recruta 2 – “o crioulo”]
Bota pesa. Costas suando. Será que esse filho da puta vai falar meu nome? Sinto o rebenque antes de ele mexer a mão. Esse cara é o diabo de farda.

[Recruta 3 – “o engraçadinho”]
Vou rir. Só um pouco. Só pra quebrar o gelo. Puta que pariu, não consigo rir. A boca seca. Tá todo mundo com medo ou sou só eu?

[Recruta 4 – “o obediente”]
Trinta segundos pra ficar pelado? Não pode ser sério. É sério? É sério. Fudeu. Só faz. Tira a bota. Cinto. Foca. Não pensa. Foca.

[Recruta 5 – “o envergonhado”]
Não quero tirar. Cueca pelo menos. Deixa a cueca, por favor. Só a cueca. Ninguém precisa ver. Eu não nasci pra isso. Eu não nasci pra...

[Sargento Barreto]
— Vieram ao mundo de cueca, foi?! Hein, porra?! Teu cordão umbilical era elástico da Zorba?!

[Recruta 1 – loiro, cueca na mão]
Filho da puta me viu. Não adianta. Tira logo essa merda. É melhor do que virar piada. Vamos, porra. Vai. Tira.

[Recruta 2 – o crioulo]
Pelado. De novo. Igual na revista médica. Igual no exame. Mas aqui dói mais. Aqui é diferente. Aqui tem olhar de predador.

[Recruta 6 – “o revoltado”]
Isso não é treinamento. Isso é tortura. Ninguém faz isso num quartel decente. Mas fala alguma coisa. Fala. Vai. Não fala. Cala a boca se quiser viver.

[Recruta 7 – “o quieto”]
Se eu respirar bem devagar, talvez desapareça. Se eu ficar imóvel, talvez ele não me veja. Talvez não veja a cicatriz. Talvez...

[Recruta 8 – “o atento”]
Tem um no fundo... aquele... como é o nome? Garcia. Tá parado. Magrelo. Mas firme. Tá diferente. Tá calmo demais. Isso vai dar merda.

[Sargento Barreto]
— GARCIA!

[Recruta 9 – “o nervoso”]
Agora vai começar. O cara é esquisito. Nem parece com a gente. Tem cheiro diferente. Cara de quem lê livro, não de quem come barro.

[Garcia – finalmente]
Eu sabia que ia chegar a minha vez. Sempre chega. Não adianta disfarçar. Não adianta tremer. Só responder. Só manter o olho. Não baixar a cabeça demais. Firme. Mesmo nu.

— Sou eu, meu sargento.

[Recruta 1 – loiro]
Ele falou sem gaguejar. Que coragem. Ou que burrice.

[Recruta 2 – crioulo]
Se fosse comigo, eu já tava no chão. Ele não tremeu. O sargento viu isso. Vai afundar esse moleque. Até quebrar.

[Recruta 4 – obediente]
Não quero olhar. Mas não consigo. Parece que tem alguma coisa nesse Garcia. Um silêncio ao redor dele. Como se nem fosse daqui.

[Recruta 5 – envergonhado]
Se ele aguentar, talvez eu também consiga. Talvez.

[Sargento Barreto – observando Garcia]
— Então vamos ver do que tu é feito, filósofo de merda...


Se quiser, posso continuar esse estilo com as múltiplas vozes internas até o final da cena, ou até um ponto específico (como quando o sargento dispensa Garcia). Também posso fazer um foco só no Garcia a partir daqui.

Qual caminho você prefere seguir?


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