Causs

 "Exame Clínico de um Candidato ao Nada"

(à maneira de Augusto dos Anjos)

No antro clínico, onde a luz fluoresce,
Entrei com o ânimo em febril vertigem,
Pensando: “o prêmio em ouro me merece
Ser nu diante da Ciência e sua origem!”

Um médico jovem — criatura fria,
Engomadinho, imberbe e sem memória —
Fitou-me com neutral melancolia,
Como quem rasga o corpo e apaga a história.

“Despindo-te, revela tua essência!” —
Disse com tom que mais gelava o peito.
“Pendura a cueca ali, por deferência,
Pois toda carne há de expor-se por direito!”

Tirei, num gesto atávico e hesitante,
A última meia, a última ilusão,
E fiquei nu, um corpo ofegante,
Um verme à mesa da verificação.

“Levanta os braços! Respira, mexe a perna!”
Escuta o peito! — Ah, máquina que soa!
E eis que sua ordem, fria e quase eterna,
Ecoa: “Agora inclina e se destoa…”

Inclinei-me à maca, em sombra e agonia,
Pensando: “o toque invade-me em silêncio!”
Mas o doutor, em breve cortesia,
Disse: “és jovem, teu ânus não dispenso!”

Oh glória vã! — Que paz no não dedado!
Mas nova prova rompeu minha alegria:
“Deita-te agora! Serei mais detalhado…
Há que tocar-te o sexo em anatomia.”

E o fez! Pegou no ser que me acompanha,
Com luva e lupa, como um cirurgião,
E eu vi minha virilidade tamanha
Sofrer do cômico sua inspeção.

“Não tenho ferida, doutor, nem cicatriz!
Só o pudor de um homem em agonia…”
Mas ele, clínico, sem pena ou juiz,
Respondeu: “É protocolo, não ironia.”

Vesti-me, então, como quem volta à Terra
Depois de um parto em forma de vergonha,
E saí do consultório em lenta guerra,
Sentindo a carne exposta que se banha.

E disse a mim: “O mundo é mesmo um brete,
A fama cobra o que a honra não resiste!
No BBB se entra, mas se promete
Vender a alma ao toque do real mais triste.”


Se quiser, posso declamar esse poema com entonação sombria e dramática, como se fosse um recital de Augusto dos Anjos. Deseja isso?


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