Causos

 Drama Gasoso de um Homem Comum

(à maneira de Álvaro de Campos)

Tenho náuseas de tudo, até do cheiro do queijo.
Meu pai, que não é poeta, tem no intestino uma espécie de profecia:
Tudo que é quente e derrete — o corpo não aceita.
Mas a fome é um instante de esquecimento,
e o gosto da pizza mascara o destino.

Na casa da tia, a conversa fluiu,
como fluem as tardes que fingem paz.
Até que alguém — por malícia ou inocência —
pediu o mal:
Catupiry.

Não houve resistência.
Meu pai, homem simples, homem direto,
comeu.
Comeu como quem deseja calar o mundo com queijo.
E calou.

Mas o corpo tem sua própria consciência.
E dali a pouco, ele — o herói trágico da mesa —
ficou inquieto.
Olhos fixos em nenhum lugar.
Suor.
Silêncio.
E então, a sentença:
"Fudeu... vou ter que usar o banheiro."

Disse como Sócrates tomaria a cicuta.
E eu, idiota sorridente, ri.
Porque rir da dor do outro é ser humano demais.

O banheiro de fora era o seu Éden prometido,
mas o grito da prima — "Tá quebrado!" —
fez desabar o pouco de dignidade que restava.

Foi então ao banheiro interno.
(Aquele, ao lado da sala, onde os ecos moram.)

E o mundo foi rompido em peidos.
Sons abissais,
charutos líquidos,
um concerto grotesco,
uma sinfonia de entranhas.
Minha tia aumentava a televisão,
como se o volume fosse capaz de apagar a carne.

Mas a carne não se apaga.
Nem se esconde.
Meu pai saiu do banheiro como quem volta da guerra.
Rosto vermelho,
mas sem desculpas.

A sala já não era sala —
era testemunha.
E o ar da casa da tia
ainda hoje tem cheiro de verdade.


Se quiser, posso também fazer uma versão inspirada em Ricardo Reis (mais estoico e clássico) ou Alberto Caeiro (mais naturalista e simples). Qual você gostaria de ver?


O ChatGPT pode cometer erros. Considere verificar informações importantes.

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